segunda-feira, 26 de outubro de 2009

* QUEM VÊ ACHA QUE A VIDA DO “MARINHEIRO NEY” SEMPRE FOI UM “MAR DE ROSA”

Você acha que nunca passei uma situação de apuros no Mar? 

Na lembrança veio uma navegação que gostaria de compartilha-la em homenagem ao meu falecido tio (Marinheiro Zeca) ou seja, uma das maiores aventuras que aconteceu comigo no mar.

Barcos de 33 pés podem tranquilamente trafegar pelas estradas em cima dos caminhões de fretes. Porem, era fim de ano e “aquele” proprietário do barco de Florianópolis queria o barco (uma Phanter 33) de qualquer jeito em Angra dos Reis.

No dia 21 de Dezembro de 1989 um dono do barco procurou meu tio zeca e pediu para ele colocar preço para levar navegando o barco (urgente!) para Angra, pois as transportadoras estavam em férias coletivas e só voltariam às atividades em janeiro.

Como na época os proprietários valorizavam bem os serviços dos Marinheiros e respeitavam as navegações. Meu tio cobrou por milha, e o valor final foi uma quantia muito superior as que  algumas transportadoras iriam cobra para levar o barco por terra.

O cliente precisava do barco la, não pensou duas vezes e tratou de pagar adiantado.

Dinheiro para o Diesel na mão, só faltava alguém para acompanhá-lo na viagem. Foi ai que ele me procurou, pois sabia que eu estaria de folga nas festas de fim de ano.

Corri para casa fiz as malas e nos encontramos no dia seguinte no Iate clube de Florianópolis - Veleiros da Ilha para abastecer e colocar o “pé na água”.

Notei que meu tio fazia muitos cálculos de consumo e de milhas náuticas em uma papel, pois ele teria que brigar com o tempo já que já era dia 22 e tínhamos que estar em Angra dia 24 (véspera de natal), com o barco limpo e pronto para o proprietário usar.

- Vamos comprar alguns galões e abastecer com diesel e colocá-los no Cockpit do barco. (Ordenou meu tio). Então perguntei para ele se aquilo era preciso, uma vez que passaríamos por quatro pontos com local para abastecimento (Porto Belo, São Francisco do Sul, Paranaguá e Cananéia).

Escutei do meu tio o que não queria escutar.

- Ney, vamos sair do canal norte de Florianópolis com um rumo direto na barra de Santos.

- Loucura!!! Com uma Phanter 33 se afastar tanto das costa, e ainda em um rumo só? Esse tipo de navegação e para veleiro tio. Porem ele nem me deu ouvido já que era ele que estava no comando.

Ja eram 10:00 horas da manhã, estávamos a bordo para sair mar a fora, porem navegamos as primeiras milhas e a corrente da direção caiu. Ufa!! Ainda bem! eu já estava “agoniado” com aquela história de viajar em um rumo só e longe da costa com aquele “barquinho” de 33 pés.

Voltamos para a marina e comunicamos ao proprietário o problema com o volante. Como para o proprietário dinheiro não era problema. Em menos de 2 horas um mecânico da volvo estava a bordo para investigar o problema, buscar uma peça nova e finalizar o conserto.

Barco pronto (novamente) para zarpar, e mesmo sabendo que a previsão do tempo não ia ser uma das melhores, meu tio reprogramou a viagem para as quatro da manhã do dia seguinte. Agora minha preocupação passou de uma para quatro. Quatro? Sim, Navegação longe da costa, o tempo que já era curto para entregarmos o barco em angra, o mal tempo que poderíamos pegar e a corrente da direção que poderia cair novamente e dessa vez poderia ser em alto mar.

Ja eram 04: 00 hs da madrugada do dia 23 de Dezembro, soltamos os cabos e saímos conforme reprogramado pelo meu tio.

Foto: Divulgação / Internet
Mar de almirante, lua cheia iluminando o mar e naquelas primeiras milhas tudo que eu temia parecia ter ido embora. Já eram dez horas da manha e pelo meus cálculo na carta e pela experiência do meu tio, estávamos com nosso bombordo ao través da barra de Paranaguá. Só pelos cálculos mesmo, porque ver a barra de Paranaguá, terra e principalmente os navios fundeados era impossível naquele rumo que estávamos.

Hora da primeira refeição (galinha frita passada na farofa), prato que a minha tia tinha preparado para nós levar naquela viagem. Detalhe, essa refeição foi preparada no dia 21 para a gente comer no dia 22, e como atrasamos nossa saída só comemos no dia 23.

Refeição feita em alto mar, casa de maquina vistoriada, é hora de seguir aquela "tranqüila" viagem.

Por falar em viagem tranquila? - Que nuvem escura e baixa é aquela na nossa proa? Pergunto para o meu tio.

- São trovoadas isoladas. É comum aqui nessa região do litoral do Parana. Porem essas trovoadas costuma seguir para o mar. Responde meu tio.

Hum!!! Vou ficar de olho nela. E não é que a nuvem preta e carregada de chuva passou bem a nossa frente e seguiu para o leste.

Mas meia hora de navegação tranqüila , e veio na minha mente uma frase que meu Pai dizia:

“atras de uma tempestade sempre vem a calmaria, e... vice versa”

Olhando para a proa do barco não víamos nenhum sinal de anormalidade no tempo. Conferi na carta, plotei mais uma posição, estávamos no rumo certo e mais algumas horas  estaríamos em no iate clube de Santos.

Porem “bendita” hora que fui olhar para a popa do barco.

- Tio que nuvem é aquela la atrás. Meu tio quando olhou não acreditou, era aquela trovoada que passou na nossa proa. E agora ela estava voltando pela popa, Meu DEUS!!! e acompanhada por uns “carneirinhos” brancos rolando por cima do mar.

Não demorou muito para aquela trovoada nos alcançar e começar a tornar nossa (tranquila) navegação num Inferno. A cada minuto que passava as ondas cresciam, acompanhadas de chuvas e ventos (Sul) fortes. Olhei para meu tio e vi ele apoiado com uma das mãos na ferragem do barco e a outra roda a direção... pra la, pra Ca, pra Ca pra la.... isso para não deixar o barco pegar um “jacaré” das ondas gigantes que vinham pela popa. Pois se uma onda daquelas nos pegasse o barco adernaria e viraria na certa.

Me lembro que meu tio dizia: - Ney, ondas de 4,5 metros a 5 metros coloque o salva vidas e pegue um também pra mim. Eu estava apoiado no banco do carona e minhas mãos estavam travadas nas ferragens. Não largava de jeito nenhum. Mas fui dentro da cabine pegar os coletes, vesti um e coloquei outro no meu tio enquanto ele brigava com o volante para não deixar o barco ser engolido pelas ondas.

Você acha que estava Ruim?

O pior estava por vir. De tanta preocupação com o tempo, ventos, ondas e a correte do volante, lembramos que estava na hora de reabastecer. Os galões estavam ali no Cockpit cheios de diesel e tinham que ser drenados através das mangueiras para dentro do tanque de combustível do barco, senão mais alguns minutos, ficaríamos sem combustível.

Meu tio me pediu para segurar o comando enquanto ele preparava para fazer a transferência do diesel. E eu sem muita experiência na época, peguei no leme e a primeira onda que embarcou pela popa, embicou a proa do barco na onda da frente, com tanta violência, que o mar arrancou o para-brisa inteiro da lancha, arremessando por cima da minha cabeça e caindo na popa, no mar. Meu tio largou os galoes de combustível, pegou o comando da minha mão e mandou eu reabastecer o barco.

Seguindo as dicas que ele me dava (la do comando), tratei de preparar a transferência do combustível  e quando peguei a mangueira de uma polegada e fui "sugar" o diesel para drenar para dentro do tanque do barco, veio uma onda e levantou o galão com 100 litros de diesel, cheio de óleo na mangueira. Só lembro que foi diesel para todo lado e no minimo eu tomei uns meio litro com o impacto.

Mas não podia parar, o barco “chacoalhando” e eu abastecendo o barco com toda aquela maresia do diesel que caiu no Cockpit. Notei que meu estomago reclamava que alguma coisa não estava bem. 

– Vou vomitar!!!!

Coloquei a cara para fora do barco, e la se foram o diesel que tomei e a Galinha frita com farofa. Meu Deus!! Eu estava no inferno. Será que vou agüentar, não parava de marear, e nos meus pensamentos só vinham aquela maldita corrente da direção, será que iria agüentar, será que o técnico que a trocou não esqueceu de apertar algum parafuso? Eu olhava ao redor do barco para ver se via outra embarcação ou um ponto de terra, e nada. Isso é comum nos Marinheiros de primeira viagem.

De tanto forçar minha vista para ver algo ao redor, eu gritei para meu tio:

- Terra a vista... é a barra de Santos?

Meu tio Zeca, respondeu: -Não Ney, aquilo não é barra de Santos, é a ilha da queimada  grande – Litoral sul de São Paulo. Eu já tinha perdido a noção do tempo, dos cálculos que tinha feito na carta, etc. Quando olhei no relógio ainda eram 15:00 horas. E aquelas ondas ali, ainda na nossa popa da nossa embarcação. Eu já estava me acostumando com os “arrotos” com cheiro de diesel, com as batidas violenta da proa nas  ondas da frente e com o fato de estar mareado por causa do diesel que bebi.

Eu me questionava sozinho (olhando para aquelas ondas vindo de popa): - E tem marinheiro que diz que o pior é navegar com Mar de proa.

Mais algumas horas de viagem e as 17:00 horas começamos a avistar a barra de Santos, lembro que tinha uma garrafa de cerveja quente no barco, não pensei duas vezes, em abrir e comemorar o Rumo certo do meu tio. Afinal foram quase 9 horas sem avistar terra abordo de uma lanchinha de 33 pés.

Lembro que a barra de Santos estava virada no “Capeta” as ondas pareciam estar maiores do que la fora. Para se ter uma idéia quando chegamos ao posto de abastecimento do Iate Clube de Santos o frentista não acreditou que tínhamos acabado de chegar do sul com aquele tempo naquele barquinho, pois era dia 23 de dezembro e vários barcos estavam abastecidos no iate clube com seus marinheiros esperando o tempo melhorar para seguir para Angra.

No abastecimento meu tio me aliviou depois de uma ligação que fez ao proprietário do barco com a idéia da gente pernoitar em Santos e seguir para angra na madrugada do dia 24. Reabastecemos o barco e os galões reservas. Hora de conferir os estragos, do pára-brisa, patamar de popa, porta dos móveis quebrados e alguns aparelhos e roupa de cama encharcada de água salgada. Quando levantamos os paineros de proa mais um susto, as cavernas estavam se soltando do casco. Óbvio, que era para ter acontecido isso, pois foram  tantas “pancadas” nas ondas que não sei como o barco chegou "inteiro". Novamente meu Tio comunicou o proprietário que não quis saber e mandou levar o barco assim mesmo para angra, e que depois das festas ele ia decidir o que fazer.

Fomos jantar em terra firme e voltamos abordo para dormir. Nem foi preciso “contar carneirinhos”, encostei a cabeça naquela almofada "encharcada" e só acordei as três da manha, onde preparamos o barco e saímos a barra de Santos rumo a Angra. O mar ja estava mais calmo, só que até a Ponta Negra . Para quem conhece a Ponta Negra e a ponta da Juatinga no litoral sul do Rio de Janeiro sabe do que estou falando.

Passamos essas duas pontas sendo chacoalhados novamente pelo mar. Porem por pouco tempo até entrarmos na baia da ilha grande e horas depois ( - Até que enfim!!!! ) chegamos na Marina do Frade em Angra dos Reis, onde o proprietário do barco nos aguardava com sua família em cima do cais para passear com o barco.

Ele já estava preparado para ver o estado do barco, porem não se preocupou, nos agradeceu, pegou a chave do barco e navegou até o dia 02 de janeiro com sua família. 

Depois disso colocou o barco no caminhão e mandou para o estaleiro consertar os estragos.

éh, voltando ao dia 24, a nossa aventura ainda não tinha acabado, pois tínhamos que sair de Angra e voltar para Florianópolis, ou seja, fim de ano, rodoviária e ônibus lotados e sem ônibus direto para nosso destino, passamos o natal dentro dos ônibus urbano "pinga–pinga", viajando de cidade em cidade onde só chegamos em casa no dia 26 de dezembro (a noite). Foram mais 30 horas de viagem de volta, e eu ainda não estava tranqüilo porque dessa vez mesmo a viagem sendo por terra, a pista era mão dupla e muitos motoristas imprudentes estavam com presa e nas ruas fazendo ultrapassagens perigosas.

Conclusão:

“ NUNCA LEVE PARA BORDO GALINHA FRITA MISTURADA NA FAROFA, PODE DAR AZAR E ATRAIR MAL TEMPO” (Risos)

Um abraço e boas navegações!

Ney Broker 
Capitão Amador
E-mail e MSN: neybroker@hotmail.com  

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